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Caso Paola Guzmán Albarracín: violência sexual em instituição de ensino e a importância do pronto cumprimento das reparações

Atenco

Foto: A vítima, Petita Albarracín, segura uma foto de sua filha, Paola Guzmán Albarracín.

Na Sentença do Caso Guzmán Albarracín e outras Vs. Equador, de 24 de junho de 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou o Estado equatoriano responsável pela violência sexual sofrida pela adolescente Paola del Rosario Guzmán Albarracín no âmbito educacional estatal, cometida pelo Vice-reitor da escola pública que frequentava e tolerada por aquela instituição educacional, que estava relacionada ao suicídio da menina. O Tribunal também determinou que o Estado era responsável pela violação do direito à integridade pessoal, bem como das garantias judiciais e do direito à proteção judicial, em relação ao direito à igualdade perante a lei, em detrimento da mãe e irmã de Paola, Petita Paulina Albarracín Albán e Denisse Selena Guzmán Albarracín. Este foi o primeiro caso a ser ouvido pela Corte Interamericana sobre violência sexual contra uma menina no âmbito educacional.

Em 2001, quando Paola tinha 14 anos e no segundo ano do ensino fundamental, ela começou a ter problemas com certas disciplinas e o Vice-reitor da escola se ofereceu para aprová-la de ano, com a condição de que ela tivesse relações sexuais com ele. Há testemunhos e indicações de atos de natureza sexual realizados pelo Vice-reitor com Paola, bem como declarações indicando que o pessoal da escola sabia da relação entre os dois e que ela não era a única aluna com quem ele tinha tido tais abordagens. Em 11 de dezembro de 2002, a inspetora de classe de Paola enviou uma convocação à mãe de Paola para vir à escola no dia seguinte. Na quinta-feira, 12 de dezembro de 2002, no mesmo dia da convocação e dois dias após seu 16º aniversário, entre 10h30 e 11h00, Paola engoliu comprimidos contendo fósforo branco. Ela então foi para a escola e contou aos seus colegas o que havia feito. Na instituição de ensino, ela foi levada para a enfermaria, onde foi instada a rezar. Sua mãe foi contatada após o meio-dia e conseguiu chegar à escola cerca de 30 minutos depois. Ela levou sua filha em um táxi para um hospital e depois para uma clínica. Em 13 de dezembro de 2002, Paola morreu. A adolescente deixou três cartas, em uma das quais, encaminhada ao vice-reitor, ela disse que se sentia "enganada" por ele e decidiu tomar veneno porque não podia suportar o que estava sofrendo.

Na Sentença, o Tribunal concluiu que houve não apenas assédio ou assédio sexual, mas conjunção carnal, e que as condutas exercidas, que se prolongaram no tempo, implicaram uma continuidade ou reiteração de graves atos de violência sexual. Explicou que os direitos à integridade pessoal e à privacidade implicam em liberdades, incluindo a liberdade sexual e o controle sobre o próprio corpo, que pode ser exercido pelos adolescentes, na medida em que eles desenvolvem a capacidade e a maturidade para fazê-lo.

Neste sentido, a Corte avaliou o prejuízo aos direitos de Paola ao considerar seu direito a uma vida livre de violência sexual no âmbito educacional, e explicou que, nas circunstâncias do caso, houve abuso de uma relação de poder e confiança, pois os atos sexuais foram cometidos por uma pessoa que tinha o dever de cuidar de Paola no âmbito escolar, no âmbito de uma situação de vulnerabilidade. Neste contexto, observou que o Vice-reitor, como autoridade acadêmica, tinha uma situação de superioridade e poder, no âmbito escolar, em relação à menina, da qual se aproveitou, na medida em que os atos com implicações sexuais começaram como uma condição para que ele a ajudasse a passar o ano letivo. Dentro deste contexto, estereótipos de gênero nocivos, tendendo a culpar a vítima, considerando-a uma "provocadora", facilitaram o exercício do poder e a exploração da relação de confiança, a fim de naturalizar atos indevidos e contrários aos direitos da adolescente. O Tribunal observou que o Vice-reitor não era apenas um homem adulto que tinha relações sexuais com uma menina, mas que ele tinha um papel central de poder e dever de cuidado para com ela. Isto se faz evidente em razão de ele ser uma autoridade acadêmica na escola que Paola Guzmán frequentava, o que gerou uma relação manifestamente desigual, com ele gozando de uma situação de superioridade. O Vice-reitor não só era obrigado a respeitar os direitos da adolescente, mas também, em virtude de seu papel como educador, a fornecer orientação e educação de forma coerente com seus direitos e de forma a garantir seus direitos.

Além disso, a Corte observou que a vulnerabilidade de Paola, como criança adolescente, foi aumentada pela ausência de ações efetivas para prevenir a violência sexual no âmbito educacional e a tolerância institucional, visto que, apesar dos indícios de que os membros da escola tinham conhecimento da situação, a mesma foi ocultada e Paola foi culpada e estigmatizada e, após a morte da adolescente, a impunidade do Vice-reitor foi assegurada. Ademais, o Tribunal destacou que a vulnerabilidade apontada estava relacionada à falta de educação sobre direitos sexuais e reprodutivos, uma vez que Paola não tinha uma educação que lhe permitisse compreender a violência sexual implícita nos atos que ela sofreu. Por outro lado, a Corte observou que a violência sofrida por Paola acarretou uma forma de discriminação intersetorial, na qual concluíram distintos fatores de vulnerabilidade e risco de discriminação, como a idade e o gênero, e que se enquadrou em uma situação estrutural.

Portanto, a Corte concluiu que o Equador não cumpriu suas obrigações de proporcionar medidas de proteção à Paola quando criança e de se abster de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher, bem como de assegurar que as autoridades, seus funcionários, pessoal, agentes e instituições se comportem de acordo com esta obrigação, e que não agiu diligentemente para evitar tal violência. O Estado não cumpriu seu dever de respeitar os direitos apontados, bem como seu dever de garanti-los sem discriminação.

Além disso, a Corte aceitou o reconhecimento de responsabilidade do Estado a respeito da falta de diligência estatal nos processos administrativos e judiciais que se iniciaram na sequência dos fatos, e determinou, adicionalmente, que houve uma violação ao dever de desenvolver as atuações em prazo razoável e que se investigou sem perspectiva de gênero, já que no curso do processo penal houve determinações, que incidiram no mesmo, distorcidas por estereótipos de gênero prejudiciais.

Medidas de Reparação ordenadas pela Corte IDH

Atenco

Foto: Audiência Pública do Caso Guzmán Albarracín e outras Vs. Equador na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 28 de janeiro de 2020

Em sua Sentença, a Corte dispôs oito medidas de reparação. Como garantias de não repetição, ordenou que, no prazo de um ano, o Estado deveria identificar medidas adicionais às que já estava implementando para corrigir e remediar insuficiências identificadas na sentença em relação a:

a)
contar de forma permanente com informação estatística atualizada sobre situações de violência sexual contra meninas ou meninos no âmbito educativo;
b)
a detecção de casos de violência sexual contra meninas ou meninos nesse âmbito e sua denúncia,
c)
a capacitação de pessoal no âmbito educativo a respeito da abordagem e prevenção de situações de violência sexual,
d)
a prestação de orientação, assistência e atendimento às vítimas de violência sexual no âmbito educativo e/ou aos seus familiares.

Para isso, a Corte indicou que, se o considerasse conveniente, o Estado podia solicitar a assistência ou assessoria de organizações como a Comissão Interamericana de Mulheres ou o Comitê de Expertas do Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará, e destacou a importância da participação das meninas e meninos na formulação das políticas públicas de prevenção.

Além disso, a Corte estabeleceu que o Estado devia:

1)
Oferecer gratuitamente, de forma diferenciada, tratamento psicológico e/ou psiquiátrico para Petita Paulina Albarracín Albán e Denisse Selena Guzmán Albarracín;
2)
Publicar e divulgar a Sentença e seu resumo oficial;
3)
Realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional;
4)
Conceder, em forma póstuma, o grau de Bacharel a Paola del Rosario Guzmán Albarracín;
5)
Declarar um dia oficial de luta contra a violência sexual nas salas de aula;
6)
Pagar à mãe e à irmã de Paola Guzmán Albarracín os montantes fixados na Sentença a título de indenizações por danos materiais e imateriais; e
7)
Pagar os montantes fixados nessa Decisão a título de reembolso de custos e despesas às organizações representantes das vítimas.

Em sua resolução de Supervisão de Cumprimento de 23 de setembro de 2021, a Corte Interamericana valorizou a informação apresentada pelas partes a respeito de sete das oito medidas de reparação ordenadas neste caso, observando que em resolução posterior se pronunciará sobre a garantia de não repetição relativa a identificar e adotar medidas para tratar a violência sexual no âmbito educativo.

A Corte constatou que no passado dia 9 de dezembro de 2020 se realizou o ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional do Estado. A este respeito, avaliou altamente que tal ato tenha sido realizado dentro do prazo outorgado na Sentença e que tenha contado com a participação de altas autoridades do Estado, incluindo o Presidente do Equador, que "reconheceu a responsabilidade [...] e pediu desculpas públicas em nome do Estado equatoriano", na presença da vítima Petita Paulina Albarracín Albán.

Atenco

Foto: No ato público de reconhecimento de responsabilidade, a vítima Petita Albarracín e representantes da CEPAM Equador ao lado da fotografia de Paola.

O ato teve ampla difusão em meios de televisão, rádio, imprensa e redes sociais, e as partes significativas foram transmitidas em escala nacional, no horário nobre.

Atenco

Foto: A vítima Petita Albarracín no Ato de Desculpas Públicas do Estado do Equador

Além disso, durante o desenvolvimento do evento, e como indicava a Sentença, foi feita entrega à Sra. Petita Paulina Albarracín Albán do título póstumo de Bacharel de sua filha Paola Guzmán Albarracín.

"Hoje aceito o título em nome da minha Paola porque era um dos seus sonhos: formar-se na escola para continuar estudando. E com este título, reconhece-se tudo o que ela viveu e tudo o que o sistema lhe negou", disse dona Petita Albarracín.

"Ficou provado que minha filha era a vítima. Isto deixa a minha família em paz. Embora minha Paola esteja morta, eu não vou trazer ela de volta, mas é a última coisa que esperávamos", acrescentou Petita Albarracín em seu oratório no evento.1

Atenco

Foto: Presidente do Equador, Lenin Moreno, na assinatura do Decreto pelo qual se declara o "Dia Oficial de luta contra a violência sexual nas salas de aula".

Além disso, durante o evento, o Presidente do Equador assinou o Decreto pelo qual foi declarado em 14 de agosto de cada ano o "Dia oficial de luta contra a violência sexual nas salas de aula", que busca "reconhecer e criar consciência na comunidade educativa do Sistema Educativo Nacional, Estado e Sociedade, sobre a gravidade da violência sexual contra meninos, meninas e adolescentes, difundir e promover o direito da infância e da adolescência a uma vida livre de violência sexual e desenvolver ações concretas para prevenir, detectar e sancionar atos de violência sexual no âmbito educativo, contra meninos, meninas e adolescentes".

O Decreto ordena ao Ministério da Educação e à Secretaria de Direitos Humanos "a difusão e promoção dos direitos das crianças, meninas e adolescentes, e o desenvolvimento de ações de sensibilização sobre a importância de erradicar a violência sexual contra meninos, meninas e adolescentes no âmbito educativo".

A Corte valorizou positivamente as ações realizadas pelo Estado, bem como a celeridade das mesmas, especialmente tendo em conta a importância simbólica que estas revestem para os fins de contribuir para reparar o sofrimento experimentado pelas vítimas e evitar que se repitam tais violações. O Tribunal concluiu que o Equador tinha cumprido as reparações relativas a: realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional; conceder, em forma póstuma, o grau de Bacharel a Paola del Rosario Guzmán Albarracín; e declarar um dia oficial de luta contra a violência sexual nas salas de aula.

Atenco

Foto: o Estado divulgou a Sentença em seu site e redes sociais.

Além disso, o Tribunal concluiu que o Equador tinha dado cumprimento a outras três medidas de reparação, a saber: a publicação e difusão da Sentença, o pagamento de indenizações por danos materiais e imateriais a Petita Paulina Albarracín Albán e Denisse Selena Guzmán Albarracín, e o reembolso de custas e despesas aos representantes das vítimas, as organizações CEPAM-Guayaquil e o Centro de Direitos Reprodutivos.

A este respeito, a Corte considerou positivo o fato de que, no ano seguinte à Sentença, o Equador cumpriu plenamente seis medidas de reparação e que, no que diz respeito à reparação relativa à prestação de tratamento psicológico e/ou psiquiátrico às vítimas, o Estado demonstrou sua vontade de iniciar sua implementação e de levar em conta as necessidades e os pedidos das vítimas, inclusive oferecendo-lhes, além do que foi ordenado na Sentença, cuidados de saúde primários através de visitas domiciliares.

1Declarações de Petita Albarracín no Ato Público https://twitter.com/ComunicacionEc/status/1336759082775175171?s=20

Fotografias:

https://www.eluniverso.com/noticias/seguridad/por-caso-paola-guzman-cada-14-de-agosto-se-conmemorara-el-dia-oficial-de-lucha-contra-la-violencia-sexual-en-las-aulas-nota/

https://www.elcomercio.com/actualidad/seguridad/organizaciones-corte-idh-paola-guzman.html

https://www.ecuavisa.com/lo-nuevo-ecuavisa/caso-paola-guzman-un-ano-del-fallo-de-la-cidh-que-medidas-ha-cumplido-el-estado-AB663288

https://twitter.com/DDHH_Ec/status/1426275528143745024

Vídeos:

https://youtu.be/53hpBLhc5ps

Supervisão de Cumprimento de Sentenças. Conheça mais sobre as últimas resoluções da Supervisão de Cumprimento de Sentença deste caso aqui.

 

Reparando Direitos. Valentina Rosendo Cantú: Um caminho em busca de justiça e reparação

Atenco

Na Sentença do Caso Rosendo Cantú e outra Vs. México, de 31 de agosto de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou o Estado mexicano responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, à dignidade, à vida privada, às garantias judiciais e à proteção judicial, bem como dos direitos da criança, em prejuízo da senhora Rosendo Cantú, em decorrência do estupro e tortura da qual ela foi vítima. Da mesma forma, o Estado foi responsável pela violação do direito à integridade pessoal de Yenys Bernardino Rosendo, filha da senhora Rosendo Cantú. Por último, foi declarado que o México violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em relação com as obrigações de garantia e a de adotar disposições de direito interno, entre outros aspectos, devido ao fato de que o Código de Justiça Militar, no qual a intervenção da jurisdição militar se baseava neste caso, permitia à justiça militar julgar qualquer militar que fosse acusado de crime comum, pelo simples fato de estar em serviço.

A Corte indicou que essas violações ocorreram em um contexto de significativa presença militar no estado de Guerrero, encaminhada a reprimir atividades ilegais, atividade durante a qual foram violados direitos fundamentais. Também argumentou que a senhora Rosendo Cantú era uma mulher indígena pertencente à comunidade Me'paa, residente no estado de Guerrero, e que “entre as formas de violência que afetam as mulheres nesse estado [...] está a violência institucional militar”. Ele também destacou que, naquele estado, grande parte da população pertencia a comunidades indígenas, as quais se encontravam em situação de vulnerabilidade.

A Corte estabeleceu que o dia 16 de fevereiro de 2002, a senhora Valentina Rosendo Cantú, que na época dos fatos tinha 17 anos, estava em um riacho perto de sua casa, quando oito soldados, acompanhados por um civil que estava sendo detido, se aproximaram e a cercaram. Dois deles a interrogaram, enquanto outro estava apontando uma arma, e foi agredida e estuprada. Os inquéritos preliminares decorrentes da denúncia-crime apresentada pela vítima foram encaminhados ao foro militar.

Em sua Sentença, a Corte Interamericana assinalou que a violência contra a mulher não apenas constitui uma violação dos direitos humanos, mas é uma ofensa à dignidade humana que transcende todos os setores da sociedade e afeta negativamente suas próprias bases: em particular, o estupro constitui uma forma paradigmática de violência contra as mulheres cujas consequências até mesmo transcendem a pessoa da vítima. No caso da senhora Rosendo Cantú, o estupro violou valores e aspectos essenciais de sua vida privada e integridade pessoal, chegando inclusive a constituir um ato de tortura.

A Corte Interamericana ordenou, entre outras medidas de reparação, que o México deveria conduzir, na jurisdição ordinária, a investigação e, quando for o caso, o processo penal relativo ao estupro da senhora Rosendo Cantú, bem como adotar, dentro de um prazo razoável, as reformas legislativas relevantes para compatibilizar o artigo 57 do Código de Justiça Militar com os padrões internacionais sobre a garantia do juiz natural, uma vez que essa norma permitia ao foro militar tivesse jurisdição sobre o crime de estupro com base na permanência de que os militares estavam em serviço.

México limita a competência da jurisdição militar

No ano de 2014, em cumprimento ao ordenado na Sentença, o México modificou o Código de Justiça Militar. Na etapa de Supervisão de Cumprimento da Sentença, isso foi avaliado pela Corte Interamericana como “uma modificação importante do ordenamento jurídico interno com o fim de restringir o alcance da jurisdição penal militar”, uma vez que “de acordo com a atual redação da norma é claramente estabelecido que o conhecimento dos casos de supostas violações aos direitos humanos cometidos por militares contra civis corresponde ao foro penal ordinário”.

Quando a justiça chega

Atenco

Ileana Conteras, juíza do Juizado Sétimo de Distrito do Estado de Guerrero (México), que proferiu sentença de primeira instância no âmbito do processo penal em que foram julgados alguns dos militares responsáveis pela violação e tortura de Valentina Rosendo Cantú, refere-se ao caso como um acontecimento icónico no México: “foi uma sentença de grande importância para a justiça com perspectiva de gênero no Continente”.

A juíza destacou que, neste caso, “apesar da falta de elementos interculturais que permitiam seu acesso à justiça, Valentina tentou denunciar a violação perante as autoridades de sua comunidade, mas havia muitos impedimentos que a impediam de ter acesso à justiça no âmbito federal. Sem avanços na esfera interna, Rosendo Cantú vai ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos em busca de justiça e reparação”.

“É a raiz da Sentença que emite a Corte Interamericana que o caso, que a certa altura, no México, foi analisado no âmbito da jurisdição militar, foi transferido para a esfera civil, com o entendimento de que, quando as vítimas são civis, é a jurisdição civil que deve entender o caso. Embora a Sentença da Corte Interamericana não determine a responsabilidade dos militares que participaram da violação, sim permitiu a reabertura do caso na justiça ordinária, obrigando o Estado a investigar os fatos ocorridos. Isso por si só já foi uma forma de reparação”, disse Contreras.

O exemplo de Rosendo Cantú é um convite a outras vítimas no México e de outros países, expôs a juíza Contreras, de que “temos direitos garantidos tanto a nível nacional como internacional que devem ser exigidos por parte da cidadania. Um desses direitos é que os juízes apliquem uma “perspectiva de gênero” quando se adverte a necessidade de uma tutela especial, que permite superar todos os obstáculos de acesso à justiça”.

Na Resolução da Supervisão de Cumprimento de Sentença emitida no dia 12 de março de 2020, a Corte Interamericana avaliou positivamente a sentença penal emitida em 1º de junho de 2018 pelo Sétimo Tribunal Distrital de Guerrero, que condenou a um soldado e um cabo pelos crimes de estupro e tortura em prejuízo da senhora Rosendo Cantú e impôs uma pena de 19 anos, 5 meses e 1 dia de prisão.

A Corte que esta sentença “refletiu vários dos padrões estabelecidos na jurisprudência constante deste Tribunal em matéria de investigações com perspectiva de gênero” e “incorporou uma perspectiva de etnia para a avaliação dos depoimentos realizados pela vítima”. Na citada Resolução, a Corte observou que a condenação ainda não é definitiva, uma vez que dois recursos de amparo estão pendentes de resolução.

Uma oportunidade para que as vítimas sejam escutadas

Atenco

Alejandra Nuño, representante de Valentina Rosendo Cantú durante a etapa de mérito do caso perante a Corte Interamericana, e atualmente professora e pesquisadora da Universidade ITESO no México, ela destaca que o momento em que as vítimas são ouvidas pela Corte Interamericana é, per se, uma grande oportunidade de reparação. “As últimas possibilidades de justiça para milhares de vítimas neste Continente cheio de impunidade estão no Sistema Interamericano. Neste sentido, as audiências são uma oportunidade para que as próprias vítimas possam dar seu testemunho, o que é fundamental no processo de reparação”, pontuou Nuño.

Mas acrescenta que, além da oportunidade de ser ouvido como forma de reparar o dano, “o papel da Corte Interamericana nas medidas de reparação estrutural é central na busca de justiça, ajudando a mudar essas realidades de exclusão, de impunidade, em que nossas sociedades estão submersas”.

À reparação das vítimas e da sociedade como um todo

Atenco

Para o Ex-juiz e Ex-presidente da Corte Interamericana, Sergio García Ramírez, o processo integral de reparação inclui as vítimas e a sociedade como um todo. “A reparação influência tanto as vítimas quanto seus familiares, mas também, como no Caso Rosendo Cantú, influência a sociedade como um todo, pensando em outras situações semelhantes que possam estar ocorrendo”, destacou García Ramírez.

“É aí quando as Sentenças da Corte Interamericana se tornam transformadoras, permitindo a mudança de normas internas, de jurisprudências, de políticas e práticas relacionadas à proteção dos direitos humanos”, afirmou o Ex-juíz.

A esse respeito, Rosa María Álvarez, pesquisadora sênior do Instituto de Pesquisas Jurídicas da UNAM, destaca que “este tipo de Sentenças apoiam os processos de transformação cultural e são muito relevantes para o combate à violência e à discriminação contra as mulheres”. Álvarez destacou que “este tipo de Sentença da Corte Interamericana [...] orienta as jurisdições que devem enfrentar a violência exercida pelos militares contra as mulheres”.

“Além disso, estimulados pelo exemplo que a Corte Interamericana estava dando com esta Sentença, os juízes passaram a aplicar sentenças com perspectiva de gênero, permitindo abrir outros horizontes jurisprudenciais no México”, destacou Álvarez.

García Ramírez também destacou a importância do procedimento de Supervisão de Cumprimento de Sentenças e a relevância tanto da participação acadêmica como da sociedade civil nele. “A Corte está autorizada para revisar o cumprimento das Sentenças. É importante o acompanhamento efetivo e constante da sociedade civil e da academia na supervisão dessas Sentenças”, destacou.

 

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